Há histórias empresariais que se confundem com a própria identidade do país e a da Tremoceira é uma delas. Esta marca portuguesa, que conta com mais de 40 anos de atividade, transformou um produto simples, como o tremoço, numa referência de qualidade reconhecida em mais de 20 países.
Nesta entrevista, Dina Bastos, responsável pelo Departamento Internacional e Financeira, percorre as raízes da empresa, os desafios da exportação e o compromisso com a qualidade, mesmo quando o preço não é o mais competitivo. A importância da fidelização em mercados como o Canadá e os Estados Unidos, da aposta em produtos inovadores como o hambúrguer de tremoço, e da forma como pretende continuar o legado familiar.
A entrevista revela as expectativas da presença da Tremoceira na SAGALEXPO 2026, evento que Dina Bastos não hesita em classificar como “a nata da nata” do setor agroalimentar nacional, sublinhando o papel essencial da feira na estratégia de internacionalização e consolidação da marca além-fronteiras.
A Tremoceira é hoje uma marca incontornável no setor agroalimentar português, com presença em mais de 20 países. O processo de exportação começou já em 1988. O que mudou desde então no modo como olham para os mercados internacionais?
A empresa foi constituída em 1976 e o primeiro mercado de exportação foi conquistado em 1984/86. Foi o Canadá, foi o primeiro país para onde conseguimos exportar. É um país muito importante para nós na área da exportação. Temos clientes de peso lá e muito fiéis ao longo destes anos todos. Depois começámos a alargar este tipo de exportação, fazíamos de azeitonas e tremoços também para os Estados Unidos e para o Brasil e uma série de países na Europa.
Hoje estão em mercados tão diversos como EUA, Suíça, Austrália ou Dubai. Que fatores foram determinantes para conquistar e manter esses mercados?
O mercado externo é um mercado fiel e é mais fiel que o mercado nacional. Ao passo que o mercado nacional é um mercado que, por diferenças de valores, pode mudar de parceiro fornecedor, o mercado externo não é bem assim. É mais importante a implementação e a aceitação da qualidade do produto enquanto marca do que propriamente a troca de produto por questões de preço. É um mercado mais sereno, mais consolidado que o mercado português, de uma forma geral em questão da estabilidade do mercado. O mercado externo é um mercado em que podemos sempre apostar. Podemos falar em mercado de saudade e não mercado de saudade.
Como se adaptam a culturas e gostos tão distintos, mantendo ainda assim a identidade dos vossos produtos?
O que fizemos foi criar produtos de valor acrescentado. Não a azeitona só pela azeitona, mas há a azeitona englobada numa apresentação mais cuidada e diferenciada dos outros. Nós temos a azeitona com laranja fresca, temos a azeitona com limão fresco, mesmo com a rodela, quando estão a fabricar eu tenho mesmo diariamente que ir buscar o limão fresco e a laranja fresca para fazer estes trabalhos.
O que nós tentámos e que conseguimos, graças a Deus, é que não fosse mais um produto na prateleira, mas que fosse um produto com BI. Este produto é da Tremoceira, porque só a Tremoceira é que faz assim, daquela forma, porque meter a azeitona num frasco e colocar-lhe um rótulo é muito limitativo. Quando vai à mesa não há o rótulo, não fala de onde é que ela vem e é difícil, é difícil criar um BI de produto que muitas vezes vai anónimo a servir a uma refeição ou a um restaurante, é muito difícil. Então, o que é que nós pensámos? Criar formatos pequenos, mas diferentes que o mercado tem, tanto nacional como internacional, criando-lhe um cunho próprio.
Nós conseguimos entrar realmente numa Europa, conseguimos entrar num Canadá, Estados Unidos, Brasil, também com produtos de valor acrescentado. Criámos produtos diferenciados, a pasta de azeitona é um best-seller. E neste momento nós temos o grande privilégio de dizer que as grandes empresas especialistas em cabaz Natal vão crescendo. Isto para nós é uma cereja em cima do bolo, porque como sabe não vai para cabaz de Natal um produto que não tenha boa qualidade e excelente apresentação.
“Não tenho problema em gostar de ser pequena, ao contrário de outras empresas que gostam muito de ser grandes, tenho muito orgulho, porque o cliente liga-me diretamente”
Sentem que ainda há espaço para crescer dentro do chamado “mercado da saudade”? Ou o foco está já muito mais em novos consumidores internacionais?
A Tremoceira, graças a Deus, tem esses dois tipos de clientes. O cliente que eu costumo dizer que é uma exportação que não é 100% real porque foi um português que mudou de sítio. E temos depois aquela exportação que eu digo que já é a aceitação pelos povos no país do destino dos nossos produtos e o reconhecimento da qualidade dos nossos produtos, que são um bocadinho diferentes. Tudo isto é exportação, mas com propósitos finais distintos. Nós temos o produto nesses dois segmentos.
São clientes realmente muito fiéis ao longo do ano, com uma programação de encomendas muito certinha e também muito estável. A nossa missão é dignificar o produto, é dignificar a empresa, porque sempre que nós somos aceitos lá fora, falamos sempre de critérios de bom produto, de consolidação, idoneidade da empresa e da marca e aceitação também por parte dos nossos clientes. É assim que se constrói as marcas no estrangeiro.
De que forma procuram responder às novas exigências do mercado?
Podemos não ser a opção mais barata do mercado, mas garantimos a qualidade. O nosso cliente, para pagar um pouquinho mais pelo nosso produto, tem que haver uma justificação, porque eu costumo dizer, a fazer barato vai sempre haver mais alguém que vai fazer sempre mais barato que o senhor. Vai sempre haver alguém que precisa fazer o negócio, fechar o negócio e vai sempre ser mais barato. Ainda agora havia um cliente esta semana que estava com um funcionário que eu disse: ‘Esse senhor tem melhores preços que eu, avisei logo o senhor.’ E o senhor disse: ‘Pois, pode ter realmente melhores preços, mas eu tenho um problema que há 15 dias estou à espera da encomenda, a encomenda não me chega, portanto um barato dele sai-me caro porque eu não tenho para vender’.
Como equilibram inovação e tradição?
Criámos um hambúrguer de tremoço, por exemplo. É uma das coisas que tem tido sucesso para os cabazes vegan, tipo linha saudável. Porquê? Porque é diferente, porque o mercado todo tem soja e nós temos um que é feito de tremoço, porque nós fazemos é tremoço todos os dias. Corre bastante bem. Este nicho que nós criámos fez que agora o resultado final fosse muito bom, porque Tremoceira é conhecida pela qualidade.

Num setor tão competitivo, quais são hoje as principais vantagens da Tremoceira face à concorrência internacional?
Temos a sensibilidade de não colocar as várias marcas que nós temos em todos os parceiros naquele país, ou se o país é muito grande dividimos por estados, ou se o país é muito pequeno então fazemos um cardex de marcas diferentes. Para proteger o nosso cliente e fazer o melhor trabalho possível, ele só tem que ter o cuidado de ter o produto em stock. Graças a Deus os nossos produtos não dão problemas de qualidade.
A nossa marca já instituída nos mercados onde estamos, portanto e o cliente não tem grandes preocupações. O que espera de nós é sempre lealdade e responsabilidade nos códigos de contrato de fornecimento e acompanhamento do cliente. Na exportação, a parte humana é muito importante, porque eles estão longe e há que dar a cara e nos apresentarmos a eles e eles a nós.
Em matéria de sustentabilidade e eficiência energética. De que forma estão a integrar estas preocupações na vossa operação e produção?
Há uma série de cuidados com os subprodutos gerados diariamente para que nada se perca e tudo se transforme na natureza, de alguma maneira. Que seja vendido, que seja doado, tentamos fazer o mínimo possível de resíduos sem utilização. Tudo é vendido ou tudo é doado. O plástico é doado, o vidro é doado, o cartão é doado, o tremoço é doado e o caroço de azeitona e a azeitona mais macia é vendida.
E também transmitem essas práticas quando estão a negociar, por exemplo, com clientes do exterior?
Não. O cliente não está interessado nisso. Isto é muito bonito para o grande retalho. O grande retalho tem muito interesse nisso porque é uma forma de marketing junto ao consumidor.
Quais são as expectativas concretas para a presença na SAGALEXPO 2026? Há metas específicas definidas?
Em Portugal não existe coisa que se compare à qualidade de uma SAGAL, tudo é de inferior qualidade, não é profissional. A SAGAL é uma feira só para profissionais, tem que ter alguma dimensão também para visitar e para expor, e é um trabalho muito árduo de convidar as empresas a estarem presentes, a mostrarem o que Portugal faz de melhor.
Costumo dizer que na SAGAL está a nata da nata do melhor que se faz, de empresas com muito elevado prestígio e muito elevada qualidade. Peço sempre aos dirigentes da SAGAL para não desistirem, continuarem a apostar e a criar condições para que todos estejam felizes, tanto por quem visita, porque quem visita vem unicamente à procura dos funcionários habituais, mas acima de tudo ver novidades. E é importante que a SAGAL tenha uma visão de acrescentar pequenos produtores, que de outra maneira não tinham a capacidade, para que a feira tenha sempre novidades e seja interessante para quem visita.
Que tipo de contactos ou parcerias procuram estabelecer durante a feira?
A nossa motivação não passa somente por ter mais um cliente ou outro, mas quem está nesse patamar de querer expandir e tem mais capacidade produtiva do que aquilo que neste momento está na cota de produção diária da empresa deve apostar na SAGAL para expandir, porque foi assim que nós começámos.
Neste momento, nós precisamos de ampliar a capacidade produtiva, ponto. Estamos um pouco assoberbados demais para a capacidade que temos. É um pouco difícil aumentar mais a nossa capacidade produtiva até que nós ampliemos e também automatizemos mais as nossas linhas e ampliemos mais a nossa área de fabrico. Neste momento, é um problema eu aceitar mais clientes, é difícil. Houve mexidas no mercado, o nosso maior representante de Portugal em questão de azeitonas e tremoços foi adquirido por uma outra empresa de origem espanhola, as políticas que vêm são diferentes e acontece que temos visto muita procura por parte do mercado em querer saber preços, condições para comprar os nossos produtos.
Eu antes quero ter clientes bem servidos, estabilizados e por um longo tempo. Eu não tenho problema em gostar de ser pequena, ao contrário de outras empresas que gostam muito de ser grandes, eu tenho muito orgulho em ser pequena, porque o cliente liga-me e dá diretamente para a gerência, eu ouço aquilo que ele necessita, vou ao encontro das necessidades dele o máximo que eu puder.
Que importância atribui a este tipo de eventos na estratégia de internacionalização da Tremoceira?
A SAGALEXPO tem tido sempre um papel muito predominante para nós, especialmente para as empresas que precisam dar o pulo na área da exportação. Durante três dias, temos acesso a uma série de clientes habituais em países dos cinco continentes, que facilmente conseguimos ver, apresentar as novidades com uma possível acréscimo de vendas para aumentar o cardex que o cliente tem, ouvir alguns pontos em que é necessário mudar. Para nós é muito importante porque fica bastante económico para nós reunir ali os clientes.
Depois de 60 anos de história, como perspetivam o futuro?
Os próximos anos da empresa é continuar a fazer excelência, foi o que o meu pai me ensinou. Não sei fazer de outra maneira. O legado continuará por geração futura e acho que é o mínimo que eu posso fazer pela empresa é dignificar o nome do meu pai e a responsabilidade que ele me entregou em boa hora já há alguns anos também.

