O interesse pela área da cozinha e gastronomia explodiu nos últimos anos. Como explica este fenómeno?
Há 15 anos, as pessoas preocupavam-se mais em trabalhar e comer, simplesmente comer. Hoje em dia, as pessoas preocupam-se mais com aquilo que comem, onde vão, e mesmo quando cozinham em casa gostam de estar mais preparadas. As pessoas já perceberam que estar na cozinha não é um fardo pesado, mas sim uma coisa boa. Têm a oportunidade de cozinhar para a família, ter momentos de descontracção e convívio. Mudou a percepção que tínhamos da cozinha. Quando vão aos restaurantes já nos vêem a nós chefs de outra maneira. Antigamente ia-se a um restaurante e ninguém queria saber quem cozinhava ou não cozinhava. Só se conhecia o chefe de sala e hoje em dia as pessoas já estão muito preocupadas. É sempre muito importante saber o que comemos e de onde vêm as coisas. Hoje valoriza-se mais a experiência.
São cada vez mais jovens interessados pela arte de cozinhar. O que é que a profissão tem de aliciante?
É uma profissão bonita. É muito bom, pelo menos eu acho isto. Já imaginou o que é estarmos na nossa cozinha e fazer comida para pessoas que não conhecemos, que não sabemos os gostos? É tentar chegar ao coração e deixá-los felizes com uma refeição. Para nós, todos os dias são uma aventura. As pessoas não são sempre as mesmas. É sempre uma aventura feliz. Isso para nós é importante e também e nos enche a alma.
Tenho tido experiências maravilhosas. Recentemente, estive na sala do meu restaurante e tinha três casais que nos visitavam pela primeira vez e que foram dizer que seria a primeira de muitas, porque tinham tido uma experiencia fantástica. Tive uma mesa de 12 estrangeiros que quiseram tirar fotografias, bateram palmas, deram os parabéns. O reconhecimento conforta-nos e deixa-nos sempre com vontade de fazer mais e cada vez melhor.
“Temos em Portugal uma gastronomia super variada. Cada região tem a sua gastronomia e qual delas a melhor”
Como define a sua cozinha?
Decidi fazer cozinha portuguesa, mas tenho os pratos da minha autoria. Quase toda a minha ementa é da minha autoria, mas quase sempre baseada na cozinha tradicional portuguesa. Os meus restaurantes tiveram desde sempre muitos empresários com outros empresários estrangeiros que vêm ao nosso País para fazer negócios. Quando um empresário português tem de convidar alguém para um almoço ou um jantar, se está em Portugal ou em Lisboa, deve levá-lo a um restaurante de cozinha portuguesa. A minha responsabilidade é fazer uma cozinha cada vez melhor e aprimorada porque tenho clientela que a aprecia e eu não quero que os meus clientes fiquem defraudados. Quero que os convidados deles saiam contentes. É bom para mim, para quem convida e quem é convidado. Temos uma clientela brasileira muito boa e muito grande. E também o passa palavra. Recebo gente que diz que veio recomendada pelo Doutor x ou y. É uma responsabilidade cada vez maior, mas dá-nos muito prazer.
É uma transmontana de mão cheia. Inspira-se em alguma região em particular?
Temos em Portugal uma gastronomia super variada. Cada região tem a sua gastronomia e qual delas a melhor. No meu caso, posso dar-me ao luxo no meu restaurante não fazer só cozinha transmontana. Faço cozinha portuguesa num todo. Tenho cataplanas, pratos do Alentejo, de Trás-os-Montes. Tenho aquilo que me apetece e todos os pratos que são da minha autoria têm sempre um toque com uma referência à nossa identidade gastronómica. Os pratos regionais, tradicionais, aqueles que já todos conhecem, eu não mexo. Faço precisamente igual, mas depois a cozinha é mundo, um laboratório. Há muito que criar e para fazer. Ainda mais agora que temos produtos tão bons, temos acesso a tanta coisa. Dá para sermos criativos sem grande esforço.
Os hábitos alimentares têm mudado muito nos últimos anos. As novas tendências de consumo já se reflectem nos pedidos dos clientes?
Tenho uma ementa variada com pratos vegetarianos e outros. Todos os pratos têm proteína. O meu maior cuidado é ter sempre vegetais. Hoje já não se pede um bife com batatas fritas. Quase todos os pratos têm vegetais ou salada. É um cuidado meu. Nós não podemos mudar os gostos dos clientes, mas podemos dar-lhes oferta e a possibilidade de fazer escolhas diversificadas. Vamos seguindo as tendências. Estão a gostar mais de quinoa, lentilhas, as leguminosas, damos-lhe. Estamos sempre atentos e a perguntar às pessoas aquilo que elas mais gostam. Há determinados acompanhamentos que estão a mudar muito. De proteína tenho tudo. Vendo mais peixe que carne. Temos de ter acompanhamentos chamativos e que dêem vontade de comer. É como agradar às crianças. Temos muitas famílias, com filhos. Tenho sempre uma boa sopa e pratos para agradar os mais novos.
“Temos de nos preocupar com o desperdício é muito importante. Além de economizarmos, estamos a preocupar-nos com o ambiente”
O tema da sustentabilidade está na ordem no dia. Sabemos que os restaurantes acabam por ter grandes quantidades de desperdício. Como é que olha para esta realidade?
Temos de nos preocupar. Sabemos como tudo está difícil com estes tempos que vivemos, com a falta dos alimentos. Eu se pudesse só trabalhava com produtos sazonais. É difícil porque temos acesso a coisas que vêm de outros lados e temos pessoas que se não preocupam. Há outras que têm essa atenção e fazem questão de comer coisas de época. No Inverno, trabalho mais com produtos de Inverno e nas restantes estações igual. Tento sempre ter mais produtos sazonais nas cartas. Temos de nos preocupar com o desperdício é muito importante. Além de economizarmos, estamos a preocupar-nos com o ambiente. Tem sido uma prioridade nossa.
O que falta fazer em termos profissionais? Quais são os seus objetivos?
Quero manter esta linha. Eu trabalho com autenticidade. O meu pessoal também. Sabemos todos os que estamos a fazer. Quero que o meu pessoal continue feliz, bem remunerado, bem alimentado, tratado com respeito. É importante para a juventude, que já não quer fazer os esforços que fazíamos antigamente para ir para o trabalho. Antes não havia tanta consideração pelo profissional. As coisas mudaram e ainda bem. Na minha casa, sempre tive muita consideração pelo pessoal. Sempre tratei toda gente como gostaria de ser tratada. É mais fácil para todos. Sou uma pessoa feliz porque faço aquilo que gosto. O importante para as pessoas é elas estarem na profissão que gostam, para a qual têm jeito. E, depois, nem todos os dias são rosas, mas nem todos são espinhos. Agora é preciso que haja respeito entre patrões e empregados e o contrário.
Acima de tudo gosto pelo que se faz.
Não podemos ir para o trabalho com a sensação de ser só mais um dia de trabalho. Não. É mais um dia importante. É mais um dia para fazermos coisas boas, para deixar pessoas felizes e mais um dia para nós ficarmos felizes com o nosso trabalho e produtividade.