A indústria alimentar enfrenta um dos maiores desafios dos últimos anos devido à inflação. O que se pode esperar dos próximos tempos?
O Governo tem acompanhado de perto, em diálogo com os representantes do setor agroalimentar, os constrangimentos decorrentes da atual situação geopolítica mundial, nomeadamente decorrentes da Guerra na Ucrânia. Existem vários programas de apoio ao setor, que têm vindo a ser reforçados. É de referir como exemplo o “Apoio à Transformação e Comercialização dos produtos agrícolas no PDR 2020”, em que já foram aprovados 1348 projetos a que corresponde um investimento total de aproximadamente 690 milhões de euros e com um apoio de 186 milhões de euros. Sublinho também os apoios ao investimento, transformação e comercialização de produtos agrícolas e reforço das cadeias de valor, de forma a proporcionar uma segurança reforçada nas cadeias de abastecimento e contribuir para estimular o comércio.
Portugal assegurou, assim, um financiamento de 6 713 milhões de euros, incluindo apoios ao rendimento, programas sectoriais e programas de desenvolvimento rural. É um passo determinante para fortalecer a agricultura portuguesa e, consequentemente a agroindústria nacional. Este importante pacote financeiro europeu permite abrir novas possibilidades de investimento no setor agroalimentar português e é uma oportunidade histórica que não podemos desperdiçar.
De que forma o Governo está a monitorizar a situação?
Um dos projetos mais relevantes deste trabalho é o Observatório de Preços “Nacional é Sustentável”, uma parceria entre o Ministério da Agricultura e da Alimentação e o Ministério da Economia e do Mar, cujo objetivo é contribuir para uma maior transparência em toda a cadeia de valor agroalimentar, acompanhar a sua evolução, e dotar as entidades competentes de um instrumento que permita monitorizar, avaliar e definir melhores políticas públicas nesta matéria identificando aspetos relevantes para os consumidores portugueses. O projeto piloto deste Observatório já está em funcionamento no Gabinete de Políticas e Planeamento (GPP) e entrará em pleno funcionamento em outubro deste ano. Este observatório permitirá recolher e analisar informação ao nível da estrutura de custos, preços e margens de valor, no sentido de permitir uma maior transparência na cadeia agroalimentar. Esta informação é indispensável para a elaboração de medidas eficazes que visem contrariar o processo inflacionário.
Diversas indústrias do setor alimentar afirmam viver uma situação de instabilidade com a escalada dos preços. Que respostas estão a ser dadas aos empresários?
Em resposta aos recentes desenvolvimentos, no sentido de reduzir incertezas e riscos a nível mundial, regista-se a uma mudança nas cadeias de abastecimento. Portugal está a trabalhar em estreita articulação com a linha estratégica da União Europeia. Ou seja, desenvolvendo políticas que visam a autossuficiência alimentar. Há vários exemplos de iniciativas nacionais com atuação na cadeia de valor agroalimentar.
O Governo aprovou um pacote de 1400 milhões de euros de apoio às empresas e à economia social, para combater o aumento dos preços da energia e para mitigar dos efeitos da inflação, decorrentes do atual contexto geopolítico. A agroindústria é um dos setores abrangidos por estas medidas.
O Governo tem concedido apoios em diversas fileiras. Que balanço é possível fazer da aplicação destas ajudas?
O Orçamento do Estado de 2022 inclui apoios efetivos para os nossos produtores do setor agroalimentar. Neste âmbito, o Ministério da Agricultura e da Alimentação teve um reforço muito significativo de 23,5%, em relação ao ano anterior, com uma forte componente de investimento. Destaco os 18,2 milhões de euros do Orçamento de Estado para apoiar os setores da Suinicultura, das Aves (e ovos) e a produção de leite, em articulação com 9,1 milhões de euros provenientes do orçamento comunitário (União Europeia).
Também foram disponibilizados 10 milhões de euros para apoio ao aumento da capacidade de armazenagem, no setor das moagens e rações. Sublinho ainda a redução do ISP para o gasóleo agrícola: menos 3,4 cêntimos/litro, uma medida que estava prevista até junho e foi alargada até dezembro. Foi ainda decidida a isenção de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) sobre adubos, fertilizantes, corretivos de solos e outros produtos para alimentação de gado. Quero também lembrar a disponibilização de 3 milhões de euros de apoio ao setor das pescas, no âmbito das medidas criadas para responder aos atuais constrangimentos económicos. Estes são apenas alguns dos exemplos de medidas tomadas pelo Governo, que contribuíram de forma decisiva para a resiliência da fileira agroalimentar nacional.
A questão dos cereais tem estado na ordem do dia. O Governo propõe-se a atingir 38% de autoprovisionamento. É uma meta exigente?
A Estratégia Nacional tem um objetivo estruturante, para recuperação de alguma capacidade produtiva e estratégica do setor dos cereais. O valor de 38% de autoaprovisionamento foi proposto, depois de um trabalho técnico de avaliação rigoroso e em estreito diálogo com os representantes do setor.
Houve lições aprendidas com a crise causada pela Guerra na Ucrânia, fragilidades do mercado UE, que devem ser discutidas e abordadas na estratégia nacional para os cereais. Por isso, é necessária articulação com a fase crucial de implementação da legislação do novo quadro comunitário (PEPAC), em que contam cerca de 20 medidas com impacto direto ou indireto para o setor dos cereais.
Em simultâneo, estão a ser implementadas medidas excecionais para fazer face aos desequilíbrios de mercado gerados pela Guerra na Ucrânia e a pressão inflacionista nos fatores de produção. O Governo tem feito a monitorização e acompanhamento do nível de stocks, nomeadamente de cereais e oleaginosas armazenados nas infraestruturas portuárias. Criaram-se medidas de reforço da capacidade de stock (cereais panificáveis e forrageiros), duplicando a capacidade de armazenamento de 15 dias para um mês.
As exportações no segmento alimentar têm crescido. Quais são as perspetivas do Governo quanto a números atingidos em 2022?
Nesta época de crise global, o comércio internacional é uma via essencial para a retoma das nossas economias, para salvar vidas e assegurar meios de subsistência. No atual contexto de incerteza internacional é aconselhável alguma prudência neste tipo de estimativa. O setor agroalimentar tem tido um desempenho muito positivo em termos de comércio externo na última década. Entre 2010 e 2021 as exportações do setor agroalimentar, que incluem a agricultura, as pescas e a indústria alimentar e de bebidas, cresceram numa média de 5,5% ao ano, enquanto as importações apenas cresceram a 3% anualmente , o que levou a uma melhoria significativa da balança comercial Portuguesa no setor agroalimentar Este dinamismo das empresas agroalimentares não só se verificou a nível das exportações, mas também do Valor Acrescentado Bruto (VAB) deste setor que na ultima década cresceu 2,2% ao ano, atingindo os 4,2% do PIB em 2021. Apesar do contexto particularmente complexo dos últimos anos as exportações do setor agroalimentar cresceram 13% em 2021, atingindo os 7 244 M€, e continuam a crescer em 2022 a mais de 20% em valor. Este crescimento tem de ser suportado por estratégias que visem a diversificação, tanto de mercados como de produtos.
Portugal exporta uma gama muito relevante de bens e serviços, fruto da aposta feita na modernização e inovação de processos. É de salientar o bom desempenho das exportações de produtos como o vinho, o azeite e as frutas. É ainda importante assinalar as oportunidades comerciais criadas em torno de vários produtos de origem animal e da sua indústria transformadora.
Uma das medidas do PRR propõe-se a incentivar as exportações online. Este é um passo para o futuro?
Em Portugal, o sector agroalimentar tem dado prova de um excelente desempenho na economia portuguesa e contribuído para o fortalecimento da integração na economia global. Os nossos empresários têm hoje uma preocupação acrescida em perspetivar o seu negócio numa lógica integrada de produção, transformação, comercialização e promoção, nomeadamente por via do comércio eletrónico.
O e-commerce oferece uma importante oportunidade para redução de custos e aumento da procura. No entanto, o setor Agroalimentar tem algumas características particulares, logística, preço médio, perecibilidade, que criam desafios adicionais para as empresas que pretendem vender através das plataformas online.
Este facto não invalida o potencial do e-commerce para o setor. Aliás, a grande fragmentação e verticalização da cadeia de valor das indústrias alimentares e de bebidas, que inclui desde a produção agrícola, transformação, distribuição e venda ao consumidor final, reforça os efeitos positivos que o comércio online poderá ter para as empresas do setor alterando e encurtando esta cadeia.
Esta questão reveste-se de especial importância para os pequenos e médios produtores que, como vimos anteriormente, são prejudicados pelo domínio vertical das cadeias de valor. Segundo os últimos dados disponíveis o comércio online no segmento de comidas e bebidas será aquele com um crescimento mais rápido nos próximos anos, esperando-se um crescimento superior a 8% ao ano até 2024, com um aumento de cerca de 9% no número de consumidores online para este tipo de produtos neste período.
Pode ler a entrevista completa na edição digital da VEJA Portugal aqui.