O tema da certificação de bem-estar animal tem estado na ordem do dia. Que trabalho tem sido desenvolvido junto do setor?
A certificação em bem-estar animal é um processo que está a ser feito no âmbito da FILPORC – Associação Interprofissional da Fileira da Carne de Porco e que tem dois associados – a APIC, Federação Portuguesa de Associações de Suinicultores (FPAS) e Associação Portuguesa dos Alimentos Compostos para Animais ( IACA). Na verdade, esta certificação pretende dar a conhecer aos consumidores os requisitos adicionados de bem-estar animal, que já são cumpridos. Em termos de certificação vamos um bocadinho mais longe porque se não não teríamos certificação, mas a legislação já é muito apertada.
A norma europeia no âmbito bem-estar animal é de facto só por si uma garantia de que as empresas, quer as de produção primária, quer as da indústria, têm de facto cuidados adicionais. Até porque o bem-estar animal não é apenas uma opção. É a única forma de garantir que os animais não produzem carne desclassificada.
Têm-se levantado muitas vozes pela defesa do animal. Qual é a posição da APIC?
Temos grupos de pessoas que desconhecem as situações falam como se o bem-estar animal fosse utópico ou como se não fosse do interesse da indústria e fazem-no exatamente porque não percebem nada da matéria. Tanto o setor primário como o empresário da indústria sabem que sem bem-estar animal vão ter menos porcos e menos carne. Há prejuízos económicos. Ainda que fossem pessoas enfim longe do bem-estar, que não quisessem saber, pessoas sem qualquer afeto pelos animais sabiam que teriam de ter bem-estar animal para ganhar dinheiro.
“O consumidor precisar de ter informação fidedigna de gente in loco e não de pessoas que não sabem daquilo que se passa na realidade”
Estas são também preocupações do setor.
A APIC está integrada num movimento constituído por cerca 30 entidades específicas com o intuito de explicar as boas práticas, o que se produz de bom e como se produz de bom. O consumidor precisar de ter informação fidedigna de gente in loco e não de pessoas que não sabem daquilo que se passa na realidade, que não fazem ideia dos controlos às máquinas e de que há um sistema adequado de atordoamento dos animais para evitar o seu sofrimento. Se os animais não forem bem atordoados há impactos diretos na carne, que terá de ser destruída. É uma questão muito controlada. Um matadouro não pode funcionar sem ter um representante do Estado, neste caso um veterinário ou um inspector sanitário. Esse inspector sanitário está a garantir que o operador cumpre a legislação, quer no âmbito da higiene e também no do bem-estar animal. Há tarefas que são desempenhadas por um representante do Estado diariamente. Sem a presença deste o matadouro não pode abater, porque dá pena de prisão. Há uma legislação balizada e um controlo feito pela DGAV e ASAE.
As mudanças de consumo já se reflectem na indústria?
Não temos dados muito fidedignos para saber isso. Sabemos que as pessoas continuam a consumir. Existe um nicho de pessoas que incentiva o não consumo de carne baseado em pressupostos que não existem. Recentemente, divulguei um texto sobre os mitos associados à produção sustentável de carne. As pessoas dizem que a produção de carne em laboratório – a carne sintética – tem menos efeitos negativos no ambiente e tal não é verdade. Esta informação é dada por grupos económicos que estão a patrocinar o desenvolvimento de carne sintética e têm todo o interesse em dar a conhecer informação que não é científica. Quando nós temos cientistas a trabalhar nesta matéria conseguimos perceber que a produção de carne sintética consome tanta ou mais água que há na agro-pecuária, consomem mais energia e produzem gases com efeito de estufa também. Para produzir carne sintética, a carne tem de vir de algum lado e vem de células estaminais a fetos de vacas grávidas, que abatem de propósito para tirar estas células estaminais. Onde é que estão a falar de bem-estar animal se têm de abater as vacas? Não se pode acabar com o abate de animais porque até para a produção de carne sintética é preciso.
“Quer a agricultura, quer a pecuária já preconiza a energia circular desde sempre. Não lhe chamávamos era energia circular”
A APIC defende a transparência em todas as fases do processo?
Queremos neste movimento criar muita informação baseada nas nossas boas práticas. Quer a agricultura, quer a pecuária já preconiza a energia circular desde sempre. Não lhe chamávamos era energia circular. Já havia reutilização. Agora, ainda se foi desenvolvendo mais. Não acreditamos muito na redução do consumo. O que vemos é muita gente a fazer barulho, o que depois não se concretiza na prática.
A origem da carne consumida é um tema controverso, sendo que a APIC defende o consumo da produção a nível nacional. Há algum inconveniente no consumo de produtos oriundos de outros mercados?
Estamos na globalização. Não podemos fugir dela. Acho que temos direito a consumir aquilo que é proveniente de outras regiões. Não nos podemos esquecer é que se andamos preocupados com a pegada ecológica, estamos a ser hipócritas. Uma coisa é ter de vir alguns produtos de outros países porque não produzimos em Portugal ou que são de variedades diferentes, mas em regra nós em Portugal temos carne muito boa. Temos um acompanhamento muito grande por parte das autoridades e temos de facto operadores responsáveis como em todas as atividades. Não vou dizer que são todos responsáveis porque isso não existe. Existe sempre quem seja profissional responsável com ética e o contrário. Os operadores sabem que o não cumprimento leva ao prejuízo, independentemente dos requisitos tem toda a vantagem em cumprir.
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