De que forma tem percecionado o sucesso da ‘Guerra Nuclear’?
Tem sido um misto de emoções. Há uma felicidade muito grande de poder ter tido a oportunidade de cantar esta canção e dizer estas palavras, mas que vem sempre juntamente com uma tristeza destas palavras ainda terem de ser ditas. Portanto, é este misto de emoções. Quando o mundo está como está, era bom que chegássemos a uma altura onde esta canção não fosse necessária e que, simplesmente, a ouvíssemos só pela arte de um génio que a fez chamado António Variações. Sendo uma pessoa empática, era difícil estar só feliz pela música estar a ter o sucesso que está a ter. É impossível sentir só essa parte e não sentir o resto.
Como descreve o processo de criação?
A responsabilidade era muito grande e depois de ouvir o António [Variações] a cantar, quando eu comecei a cantar a canção foi um misto de emoções. Queria tanto fazer bem, respeitar aquilo que ele tinha feito, elevar a arte dele da melhor forma que eu sabia, que dentro de mim houve algumas lutas interiores. Pensava: ‘Sou a pessoa certa para fazer isto?’, ‘Será que vou cantar isto da forma que deve ser cantado?’, ‘Será que vou conseguir passar esta mensagem da forma que tem de ser passada?’. Eram processos eternos de segundos. Na verdade, por mais confiança que possamos ter a insegurança de querer fazer bem as coisas às vezes leva-nos por um caminho melhor. A minha insegurança faz-me sempre dar mais e pôr-me em situações desconfortáveis. Quando me deparo com uma situação desconfortável, geralmente é quando evoluo mais e quando consigo ter uma segurança que me faz dizer: ‘Consigo fazer isto!’. O caso da música do [António] Variações foi mais uma etapa emocional, que me pôs desconfortável e insegura, que eu sabia exatamente que por estar a sentir aquilo que estava a sentir era a coisa certa para mim.
“Só em adulta é que aprofundei o artista e o génio que o António Variações era. Era e continuará a ser. Acredito que as pessoas só morrem quando nos esquecemos delas”
Como surgiu a ideia de ter a voz do próprio António Variações na música?
Não tínhamos pensado nisso. Só depois é que nos apercebemos que eu estava a cantar a música no tom do [António] Variações. O que é mais uma coincidência que aconteceu neste processo todo. Apesar de eu ter a voz mais grave do que a maior parte das mulheres e de ser às vezes mais fácil encontrar um tom para cantar com um homem do que uma mulher e sem querer inconscientemente o tom que eu cantei a música era o tom original. É raro acontecer. Foi uma coisa fora. E depois questionámos: ‘Podemos pôr a voz dele?’. Aconteceu. Pedimos autorização aos herdeiros e deram-nos essa autorização para experimentarmos. Não podíamos pôr muito mais do que está. Eu sabia que tinha de ser no final do tema. Eu encarei esta situação como uma preparação durante a música toda para apresentar o compositor e o génio que António Variações era. Ouve-se a canção inteira, chega-se ao final e ouve-se a voz do António e não sei. Não sei quantos anos mais é que isto vai durar, mas cada vez que ouço, quando o António entra a cantar, bate-me sempre como se fosse a primeira vez.
Sentiu um certo misticismo?
Aconteceram várias coincidências neste processo. O facto de eu cantar no tom dele, o ter tido a oportunidade de ter uns guizos que ele usava para entrar no áudio da canção, o usar a boina e os brincos dele. Eu ia gravar a voz numa quarta-feira e na segunda-feira estava com o Moulinex a produzir a música e de repente dá-me uma vontade vinda não sei de onde de gravar a minha voz. Gravei a voz nesse dia e chego a casa, ligo a televisão, e está a dar o filme do Variações. De repente, vou ao Instagram e apercebo-me que nesse dia tinha feito 38 anos que ele tinha morrido. Eu nem sequer sabia. Não sei bem explicar, quando começo a falar nestas coisas emociono-me. É uma série de coincidências felizes. Eu senti que ele esteve comigo no processo todo. Parece que cantámos mesmo os dois. Emocionalmente, quero acreditar nisso. Isso abraça o meu coração com outra força.
Qual é a primeira memória que tem do António Variações?
É de uma foto. Lembro-me de a ver na casa de alguém da minha família. Não consigo precisar, era mesmo muito miúda. Como era miúda não tive uma consciência, nem tive uma opinião formada do que quer que seja. Lembro-me de olhar para as cores, de sentir que era um artista com muita cor. Depois, quando comecei a ouvir as músicas, a pesquisar mais sobre ele. Só mais na adolescência, a chegar à fase adulta, é que aprofundei os discos do Variações que foram só dois. Infelizmente que foram só dois. Felizmente que temos dois discos. Prefiro dois que nenhum. Só aí é que aprofundei o artista e o génio que o António Variações era. Era e continuará a ser. Acredito que as pessoas só morrem quando nos esquecemos delas. Enquanto, nós nos lembrarmos dele, será presente.
Ele acabou por inspirá-la.
Houve uma liberdade da forma como ele compunha e se apresentava, que inconscientemente acalmou o meu coração. Quase que me dizia: ‘É possível seres tu, fazeres aquilo que acreditas e mesmo que seja difícil tens de seguir em frente.’ Sempre fui uma pessoa que se calhar usei muitas roupas que muita gente não percebia e não gostava. Nunca usei roupa nenhuma por achar que era estranha, pelo contrário. Usei-as porque as achava bonitas. Temos de ser aquilo que achamos que está certo, sem passar por cima de ninguém. Acho que tive essas influências, não só do António, mas de vários artistas, que eu me identifiquei sem saber porque é que me estava a identificar. É o caso do David Bowie, Freddie Mercury, Ney Matogrosso ou da Elis Regina. Todos eles tinham uma particularidade. Eles não queriam ser mais ninguém, eles eram eles mesmos. Inconscientemente artilhei-me de artistas que eu fui escolhendo ao longo da minha vida para estarem junto do meu discman e do meu coração e só passados muitos anos é que me apercebi do grupo de pessoas que me influenciava de uma forma bastante profunda. Foi há pouco tempo que tive essa noção.
Que feedbak recebeu dos herdeiros do António Variações?
Daquilo que eles me passaram, adoraram. Conheci o irmão do António [Variações] e percebi que é uma pessoa extremamente sincera. Portanto, acredito genuinamente que eles tenham gostado. Sei que se eles não tivessem gostado isto não teria ido para a frente, não só a música como o videoclip. A admiração que eles têm pelo irmão e a responsabilidade de defender com unhas e dentes a obra do António Variações teria sido quebrada se eles não tivessem gostado.
Em breve, vai apresentar um disco em nome próprio. O que pode adiantar?
Até hoje, sempre foi raríssimo escrever letras sobre mim ou sobre as experiências que eu tive. Acho que neste disco, nós estamos ainda numa fase de produção, ainda não tenho todas as canções escolhidas. Já tenho metade do disco escolhido. É um primeiro disco que eu quis não só partilhar composições e letras com artistas que eu admiro, portugueses e brasileiros, porque senti a necessidade de aprender, de ir para outros sítios, líricos, melódicos, e para isso acontecer tinha de estar com compositores que eu admiro. Vão existir várias canções neste disco que a música e letra são minhas e de mais um artista. A maior parte delas, na verdade. É um trabalho partilhado. É uma viagem que passa por várias emoções. Este disco vem da minha parte mais calma até à mais alucinada. É quase a noite e o dia. O sol e a lua. Estes opostos e tudo o que passa pelo meio.
Entretanto, segue-se um novo single.
O meu segundo single vai sair ainda durante o mês de novembro. É uma coisa completamente diferente da Guerra Nuclear. Não é um single autobiográfico. Estou mega entusiasmada com o single em si, mas também com a ideia do videoclip. Só espero que a malta quando ouça e veja se divirta tanto como eu, quando o fiz.