Como perceciona a internacionalização dos espectáculos produzidos pelo Teatro Nacional, nomeadamente a peça ‘Catarina e a Beleza de Matar Fascistas’ que tem percorrido os circuitos europeus com bastante sucesso?
Posso dizer que esta peça é bastante universal. Trata-se de uma história portuguesa com referências muito específicas à nossa história mais recente e à luta antifascista. Na verdade muitos países passaram por situações parecidas, ou estão a passar, como também nós estamos a passar com o ressurgimento do fascismo. E por isso há um eco bastante universal. A forma como as pessoas reagem em Portugal não difere muito depois das reacções que o espectáculo gera fora do País. Aqui as pessoas cantam o Grândola Vila Morena. Isso só acontece fora de Portugal quando há portugueses a assistir ao espectáculo. A reação mais entusiasmada e ao mesmo horrorizada ela é bastante universal. Aquilo a que o espectáculo se propõe funcionada bastante bem fora de Portugal.
Não há a barreira da língua?
O espectáculo é sempre apresentado em português, muitas vezes é legendado em inglês ou em francês e às vezes nas duas línguas e também em outros idiomas.

O entendimento do público sobre o espectáculo não se altera?
O teatro português durante muito tempo sofreu um bocadinho com esse estigma de que a nossa língua é difícil de compreender, é muito inacessível, e por isso as peças teatro em português não funcionam. Muitos espectáculos e este inclusivamente provam exatamente o contrário. A linguagem e o tema são fortes o suficiente para que a língua não seja uma barreira e seja também um motivo de interesse de ouvir teatro falado numa outra língua.
É mais um fator para a identificação do nosso País fora.
Acho que a nossa língua, e muita gente partilhará da mesma opinião, acaba por ser o fator identitário mais relevante quando se diz que se é português. As línguas moldam, para o bem e para o mal, a nossa forma de pensar. A nossa língua tem esse potencial.
Haverá nos próximos tempos mais espectáculos portugueses com digressões internacionais?
O esforço do Teatro Nacional é constante. Somos co-produtores de vários espectáculos internacionais. Há também um grande apoio para que os espectáculos feitos pelo Teatro Nacional ou feitos em co-produção com o Teatro Nacional possam circular. Durante este ano, que já vai a meio, a programação anunciada diz respeito apenas ao último quadrimestre. Em 2023, o Teatro fecha. Vamos precisar de viajar ainda mais em Portugal e fora de Portugal. A programação do próximo ano só será anunciada em novembro e há pormenores que ainda não posso revelar. Ainda em 2022, será o espectáculo ‘Catarina e a Beleza de Matar Fascistas’ a fazer uma digressão bastante alargada. Recentemente, estivemos na Coreia do Sul com o espectáculo ‘Sopro’, de Tiago Rodrigues.
Como é o processo de internacionalização de um espetáculo?
Há vários circuitos digamos distintos que podem servir de tipologias de espectáculos também muito distintas. Esses circuitos são difíceis de quebrar e exige muito trabalho de divulgação e acho que há também uma responsabilidade da Direção Geral das Artes, que tem aberto algumas linhas de financiamento que permitem a internacionalização de espectáculos portugueses. Esse é um trabalho bastante moroso e que exige uma presença constante de diálogo com os pares, com os programadores internacionais e convidá-los a virem ver espectáculos. Acontece muitas vezes no Teatro Nacional D. Maria II. Essa é uma forma de conseguir criar um circuito, que depois permite circular estes espectáculos. Esse é um esforço que tem uma recompensa económica. Os Teatros dependem muito de gerar receita e fazer espectáculos fora do país é uma forma dessa receita poder aumentar. Depois, em termos mais simbólicos de conseguir fazer e divulgar a arte que se produz em Portugal e que é muito diversa. Acho que há muita curiosidade em perceber o que é que andamos a produzir.
A temporada cruzada Portugal-França permitiu e permite que em Portugal vejamos espectáculos franceses, mas também o contrário acontece. Esses programas e incentivos muitas vezes são governamentais, mas partem da imaginação dos programadores e artistas, são fundamentais de continuar a acontecer. Todos estamos a trabalhar para que alguns projetos se possam internacional.
É fulcral a divulgação internacional de um espetáculo?
Um projeto que não circula ou que não tem essa dimensão internacional não quer também dizer que seja um projeto mau. Os circuitos internacionais ou festivais procuram determinados tipo de projetos. E há projetos que não são feitos para viajar e isso também não tem problema nenhum. Às vezes, vivemos numa ansiedade muito grande que o projeto só é válido se tiver uma carreira internacional. Quando tem é excelente e é um ótimo indício e forma de divulgar o que se faz em Portugal, mas não é essencial.
Sente essa curiosidade por parte do público internacional residente em Portugal?
Passámos por uma fase muito complicada, fomos dos primeiros a fechar e dos últimos a abrir. O Teatro continua a sofrer com a pandemia. Nesse sentido, há uma dificuldade ainda de o público regressar. Temos tido a sorte de ter casas cheias com quase todos os espectáculos, mas ao mesmo tempo vemo-nos confrontados muitas vezes com os cancelamentos e isso dificulta bastante a relação. Espera-se que em breve as medidas possam ser um bocadinho aliviadas. Se noutras áreas é mais fácil conviver com a pandemia, no teatro há várias impossibilidades.
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O que destaca da programação da próxima temporada do Teatro D. Maria II?
São projetos bastante diferentes. Há alguns projetos programados pelo meu antecessor, o Tiago Rodrigues, algumas coisas que eu próprio já programei. A temporada abre com o espectáculo meu que se chama ‘Casa Portuguesa’. Temos o Festival Alcântara que nos vai trazer alguns espectáculos internacionais. Temos o espectáculo emblemático francês Ça ira, que vamos poder finalmente ver em Portugal. É a ultima vez que este espectáculo se vai fazer. Destacaria também o espectáculo do Marco Paivas, Story, Cadernos De, da Raquel S., o Dobra do Romain Teule. Há muita coisa que vale a pena acompanhar e descobrir. Os 80 anos de carreira do ator Ruy de Carvalho que vão ser comemorados no palco do Teatro Nacional, que no fundo é a sua casa. É um quadrimestre onde nos despedimos do teatro – pelo menos durante um ano – mas acabamos com uma nota positiva. Esperemos que os lisboetas sintam saudades nossas e nos queiram voltar a visitar em 2024 quando reabrirmos.